terça-feira

Voma Lelé e as Moscas Tontas I

“Sou sonâmbulo!”, disse o Voma Lelé, caminhando em direcção à porta, de braços estendidos em frente e olhos semicerrados. “Sou sonâmbulo!”
O Alexandre, que estava a tentar capturar uma mosca contra a vidraça da janela, abandonou a caçada e seguiu-o, soltando risadas: “Hi... hihi... hihihi... Estas sestas são muito fixes... hi... hi...”
“Silêncio! É perigoso acordar um sonâmbulo”, disse o Voma Lelé, com voz cavernosa, imobilizando-se no centro do quarto. O amigo também parou, à espera...
O Voma Lelé, sempre de braços erguidos, dirigiu-se lentamente para a cama, agarrou na almofada e TRÁS! Pregou uma valente almofadada na cabeça do outro que caiu no chão a rir ruidosamente: AH... HA HA HA!

Meninos, juízo !, ouviram dos confins da casa. DURMAM !

O Voma Lelé, tapando com a mão a boca do amigo, disse-lhe: “Cala-te! É muito perigoso acordar os deuses e despertar-lhes a cólera...”
Ficaram algum tempo quietos.
O Alexandre, com os cabelos louros espetados, os olhos azuis muito abertos, começou a ficar impaciente. Por fim, não aguentou mais: “Já estamos a dormir”, repetiu mais do que uma vez, com o seu ar alucinado. “Estamos a dormir!”
O Voma Lelé deu-lhe uma palmada nas costas e confirmou: “É evidente que estamos a dormir. Por isso, vamos fazer uma pequena expedição.”
Saíram do quarto e passearam pela casa.
Na cozinha encontraram uma tesoura velha que servia para amanhar o peixe; continuaram...
Mais à frente, na sala, o Voma Lelé, olhando para uma cadeira, teve uma ideia: "Vamos montar um Salão de Cabeleireiros!"
"Fixe !", exclamou o Alexandre. "Há muito tempo que desejo experimentar esse negócio... Bem gostaria que o meu primeiro cliente fosse o Sr. Clemente, o meu barbeiro."
O Voma Lelé sorriu: "Tu queres vingar-te do homem!"
"É um sádico", o Alexandre estava indignado. "A minha família não acredita. Ele tortura-me com requintes de malvadez e pagam-lhe. Arrepela-me o cabelo com o pente, sem necessidade. Para quê pentear o cabelo que vai cortar ? E sabendo que está todo emaranhado... É um SÁDICO !
"Parece-me que o conheço, já me cortou o cabelo uma vez. Cumprimenta-me sempre muito bem", disse, provocadoramente, o Voma Lelé.
"A mim também, deseja-me sempre um bom dia e depois tortura-me. É um CÍNICO !"
"Ele é coxo ?", perguntou o Voma Lelé.
"É. E olha para mim de lado, enquanto faz clique, clique com a tesoura e mastiga a língua", acrescentou o Alexandre. "Basta vê-lo para se perceber que o homem é tarado. Depois, o corte dura mais de meia hora. No fim, raspa-me o pescoço com uma lâmina e desinfecta-me com álcool. Arde muito. SÁDICO !"
"Fala baixo", pediu-lhe o Voma Lelé. "Se acordarmos alguém somos recambiados para a cama."
"Estamos rodeados por sádicos", concluiu o Alexandre.
"Já chega", disse o Voma Lelé. "Abre a porta. Sem clientes o negócio não pode prosperar."
O Alexandre abriu a porta da rua. Meteu a cabeça de fora e olhou em redor: "Ninguém à vista. Apenas o tapete."
"Óptimo", disse o Voma Lelé. "Manda-o entrar. É o nosso primeiro cliente."
"Faça o favor", disse o Alexandre, conduzindo delicadamente o tapete até à cadeira. "Cuidado com este degrau... Instale-se confortavelmente..."
Equilibraram-no na cadeira com o auxílio de um pano atado ao "pescoço".
O Voma Lelé, afagando-lhe o pêlo rijo, perguntou: "O Sr. Tapete vai desejar cabelo ou barba ?"
O Alexandre, sorrindo, comentou: "Está a precisar de um valente corte. Há muito tempo que não entrava numa barbearia. O meu colega corta-lhe o cabelo. Depois, eu próprio lhe aparo a barba."
O Voma Lelé agarrou na tesoura e, sorrindo de gozo, começou a desbastar-lhe a trunfa: "Descontraia-se. Se o magoar diga."
Entretanto, o telefone começou a tocar: Trim... Trim ...
"Atende depressa ou estamos perdidos...", pediu o Voma Lelé.
O Alexandre, procurando fazer um tom profissional, levantou o auscultador: "Salão Lelé - Cabeleireiro unisexo. Deseja fazer uma marcação?". Depois, tapando o bucal, disse: "É para o teu pai."
O Voma Lelé, encolhendo os ombros, disse-lhe: "Desenrasca-te!"
O Alexandre, simulando interferências electrónicas, disse: "Bim... clique...Não ouço nada... Piuuuu... Não ouço nada... ", e desligou.
Ouviram passos. Entreolharam-se.
O Voma Lelé atirou o tapete na direcção da porta da rua e, quase a sussurrar, disse: “Não temos tempo de fugir. Entra aí!”. Empurrou o Alexandre contra uma porta que se abriu e mergulhou fechando-a atrás dele.

(Jonas)

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